Nos
últimos 15 anos, a inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do
ensino público avançou de forma expressiva no Brasil. Em 2001, apenas 20% dos
alunos com necessidades especiais matriculados em escolas públicas frequentavam
classes comuns junto a alunos considerados “normais”, Em 2014, esse número
saltou para 93%, segundo dados do Censo Escolar.
O
cenário é bem diferente nas escolas particulares, onde cerca de 80% dos alunos
com necessidades especiais permanecem, atualmente, segregados em instituições
especializadas ou classes especiais. Agora, uma nova lei obriga as escolas
particulares a se adaptarem para receber alunos com qualquer grau de
deficiência, vetando a cobrança de valores adicionais aos familiares destes
alunos e aumentando a punição para escolas que recusarem a matrícula.
A
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) entrou em
vigor em janeiro de 2016 sob os protestos de um sindicato que reúne escolas
particulares, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
(Confenen). A Confenen entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar as exigências feitas na lei à
iniciativa privada.
A
Confenen alega que o direito de propriedade e a função social das escolas
particulares estão sendo violados pela lei. O sindicato diz que seus
professores não têm preparo para educar alunos com qualquer grau de deficiência
e que, sem repassar os custos da inclusão às famílias beneficiadas, as novas
obrigações levariam à desestruturação do ensino e ao fechamento de escolas
particulares, pois lançariam sobre elas encargos e custos proibitivos que são
de responsabilidade do poder público.
“Estão
confundindo educar com socializar, ou colocar no meio dos outros, e isso não
resolve. A pessoa com deficiência precisa de tratamento especial para evoluir e
o custo é altíssimo. Ele vai ser enganado que está recebendo o tratamento que
necessita quando não vai receber”, diz Pedro Dornas, presidente da Confenen,
para quem “a obrigação de oferecer educação especializada a deficientes é do
poder público”.
Já
os que defendem a inclusão escolar em todas as instituições de ensino dizem que
as escolas particulares estão preocupadas apenas com o lucro enquanto esquecem
que sua função principal é a formação integral da pessoa e a transformação dos
alunos em pessoas mais solidárias.
“A
escola particular exclui qualquer criança e não somente aquela com
deficiência”, diz Ielva Maria Ribeiro, professora de educação especial da rede
pública de São Gonçalo, no Rio. “A maioria não quer qualquer tipo de pessoa que
não tenha sucesso na escola, que não vá passar no vestibular. Seguem a lógica
de que quem tira dez aperta a mão do diretor, quem não tira não aperta.”
Uma
liminar da Confenen pedindo a suspensão da lei de inclusão foi indeferida pelo
relator da ação no STF, o ministro Edson Fachin, mas o plenário do Supremo
ainda precisa avaliar a matéria. O julgamento, que deveria acontecer em março,
foi adiado a pedido da Confenen.
A
inclusão na prática
A
pedagoga Maria Teresa Égler Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Ensino e Diversidade da Unicamp, cita a Constituição e normas anteriores
à nova lei que definem a inclusão escolar como um dever de toda instituição de
ensino, e não somente das públicas.
Maria Teresa rejeita os cálculos da Confenen e diz que os custos das
adaptações e dos recursos necessários para acomodar alunos com deficiências não
são proibitivos. “Não precisa ter um professor de educação especial para cada
aluno. Basta ter um profissional capacitado para a escola inteira”, diz. “Esse
professor de Atendimento Educacional Especializado vai estudar todos os casos
da escola, verificar as necessidades de cada aluno, fazer parcerias, buscar
recursos e apoios que façam com que esses alunos possam participar de uma aula,
que é igual para todo mundo, na sala de aula comum.”
Quanto
à avaliação desses alunos, Maria Teresa explica que a inclusão traz uma grande
mudança. A avaliação de todos os alunos – e não somente daqueles com
deficiência, passa a se concentrar na evolução do indivíduo por ele próprio e
não por uma média. O ensino continuará a
se basear na passagem de ano, mas a avaliação é feita em função da capacidade
de cada um.
“Argumentar
que a educação especial e restritiva tem que substituir a educação comum para
pessoas com deficiência é um pensamento do século passado”, diz. “A gente
aprende em ambientes desafiadores e comuns de educação que não discriminam, não
têm preconceitos, não restringem, não limitam a educação para alguns.”
Professora
de Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Creche Municipal José Calil
Abuzaid e no Instituto de Educação Clélia Nanci, em São Gonçalo, no Rio de
Janeiro, Ielva Maria acompanha um total de 14 alunos em ambas as instituições.
Ela explica que sua principal função como professora de AEE não é reforçar o
conteúdo aprendido em sala de aula, mas oferecer recursos que possam ajudar os
alunos com necessidades especiais a superarem as barreiras do aprendizado.
“Na
Clélia Nanci [escola de ensino médio] temos a Paula. De um dia para o outro, a
Paula acordou com baixa visão por conta de uma toxoplasmose e era definitiva.
Disponibilizamos para ela um recurso ótico, uma régua de ampliação, que para
ela foi suficiente”.
Ielva
garante que a estratégia funciona até para crianças com as deficiências mais
profundas, mesmo quando o problema é intelectual ou comportamental. Diz que uma
boa escola disponibiliza uma série de recursos para o aluno conseguir realizar
exatamente aquilo que ele tem condição de fazer, potencializando as habilidades
dele.
“O
Elias tem autismo, está no sexto ano e estava à beira de uma reprovação. A
princípio ele mal falava e não olhava para mim quando eu conversava com ele. O
que fizemos na sala de recursos? Pensamos: quais as dificuldades do Elias?
Começamos a fazer um trabalho com jogos, com incentivo à leitura na biblioteca
e o inserimos em um grupo de alunos com habilidades de superdotação, o que deu
muito certo. Não trabalhamos o conteúdo da sala. Esses alunos passaram a ser um
círculo de amigos dele”.
Até
para os casos mais extremos Ielva garante que “sempre tem um caminho”. Um de
seus alunos da creche tem paralisia cerebral e microcefalia, mas desenvolveu a
fala e alguns movimentos das mãos. “Fazemos treinos de pegar coisas maiores e
menores, de mover de um lugar para o outro, usamos o plano inclinado e hoje
quando a professora trabalha os animais em sala, ele já está conseguindo
colocar os que ficam na água, na terra, com animaizinhos cortadinhos com velcro
atrás”.
Ielva
diz que o professor comum não precisa ter especialização para trabalhar com
alunos deficientes, pois é o professor de AEE que deve orientá-lo, inserindo o
AEE no projeto da escola e dando visibilidade a ele.
“Tem
o professor que se vitimiza e diz que não está preparado, mas este não trabalha
bem com ninguém. E tem outros que acham que é preciso saber muito além do que
já sabem, quando na verdade não precisam. Quando você tira esse medo desses
professores, quando você tira essa venda dos olhos, eles conseguem fazer um
trabalho muito bonito”.
Fonte-opiniao
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